quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Escolhas

Recentemente eu assisti uma entrevista do autor de "Me Chame Pelo seu Nome", o italiano Aciman André, e como provavelmente muita gente, fiquei surpresa que o autor se declare hétero, inclusive com mulher e filhos para "comprovar" o afirmado. Uma de suas falas durante a entrevista conduzida pelo Pedro HMC do canal "Põe na Roda" (do qual sou fã) me foi bastante problemática. Ele dizia que depois de duas vodkas todo mundo era bissexual. Quando comentei no vídeo, incomodada pelo dito, eu só falei que as pessoas não deveriam ser levadas a beber só porque alguém quer que elas "se liberem sexualmente", isso havia me soado muito como estupro de vulnerável, já que uma pessoa embriagada não tem discernimento suficiente para responder a investidas sexuais. Não lembro se mais de uma, ou apenas uma pessoa veio me educar a respeito do que ele "realmente quis dizer", e eu levei em consideração o argumento da moça. Continuei pensando a respeito, e hoje cheguei a conclusão que meu desconforto com a frase não é apenas, como se não fosse o suficiente, pela insinuação de estupro, mas algo ainda mais problemático. Mais uma vez, invisibilização das sexualidades não monossexistas (como a heterossexualidade e a homossexualidade exclusivss). Bissexuais, pansexuais ou polissexuais, como quiser, não se sentem atraídos por apenas um gênero, mas pelo próprio, e por pelo menos um outro. Mas isso parece ser ignorado pelas demais pessoas, e esse é o problema. Dizer que "todo mundo é bissexual", mesmo que bêbado, é dizer que nossa sexualidade não é válida. E mais, é tratar nossa sexualidade como promíscua. Nós seríamos abertamente promíscuos, nada mais. É também limitar nossas relações à motivações meramente de cunho carnal, e não é esse o caso em absoluto. Por isso essa frase tinha me incomodado profundamente, são camadas de problematizações escondidos em uma "piada" que a primeira vista pode até soar inocente, mas não é. E me fez lembrar uma coisa que aconteceu comigo há muitos anos. Uma pessoa amiga, e que à época se declarava apaixonada por mim, talvez pela confusão de seus próprios sentimentos, disse que eu era "safada" e não LGBT. E pasmem, essa pessoa falou isso não pra me machucar, de forma alguma. Ela achava que isso aliviava o peso do que eu era. Projetando em mim, o que talvez ela estivesse pensando de si mesma frente aos seus próprios sentimentos e desejos dirigidos a alguém do mesmo sexo. Eu não fiquei brava com ela, e tinha até esquecido desse evento, mas tudo voltou à tona pensando sobre a fala do Aciman nessa entrevista.
Não venho condená-lo por ter dito isso. Não estou querendo colocar ninguém na fogueira, pelo contrário. Como até respondi pra moça que tentou interpretar para mim o que ele queria dizer com isso, ele conhece muito mais gente que eu, e tem muito mais tempo de vida. Ou seja, a realidade dele é totalmente diferente da minha. E as experiências de vida dele podem tê-lo ensinado justamente esse conceito. No final das contas, a gente aprende com o que vive, ou com o que vê. Só estou dizendo, não se limitem a isso. E não invalidem outras vivências! Por ser um espectro (observável em escala, por assim dizer), há pessoas em todas as variáveis de sexualidade, inclusive os fora desse espectro, como é o caso dos assexuados (pessoas que não sentem atração sexual). Sendo assim, claro que vai ter gente nos extremos, no meio e em todas as escalas, inclusive fora! Essa é a beleza da diversidade, e de sermos tão maravilhosamente diferentes uns dos outros, sem que isso seja, ou mesmo precise ser, um problema na vida de ninguém. E por fim, tratar desse assunto como se fosse só uma questão sexual é um erro inadmissível. Todas as pessoas se relacionam afetivamente, não só sexualmente. Tocar só nesse ponto, faz com que continue se concretizando na cabeça, principalmente dos heterossexuais, que a gente não ama, a gente só faz sexo, e só quer sexo. E também, que se não fosse por nossa "safadeza" nós conseguiríamos muito bem, ter relacionamentos "normais", entre opostos apenas. Vê como isso é problemático?! Não continuem endossando falas assim, só porque gostam da pessoa que a profere. Não é militância se a gente escolhe quando ficar ofendido, e quem pode ou não dizer certa coisa a nosso respeito.

P.s¹.: Não leiam essa parte se ainda não viram o filme ou leram o livro, e pretendem fazê-lo. A verdade é que eu ainda não vi o filme, ou li o livro, mas peguei spoilers nos comentários da entrevista. E não me pareceu promissor pra visibilização LGBTQ, já que a história se trata de um "caso de verão", entre um rapaz jovem e um homem mais velho. Que parece focado na parte sexual da história, que tem um final que não é feliz para o casal (assim soube). Não tenho NADA contra isso, de tratar a sexualidade humana em uma peça. Mas para se redimir, e não soar que está só surfando na onda do pink money (exploração do poder de consumo de pessoas LGBTQ), e da polêmica, é bom que suas próximas histórias com personagens desse universo, tratem também de mais aspectos de um relacionamento, não só o desejo, mas o afeto, sejam mais profundos, e mais duradouros do que uma temporada. Assim ele pode se redimir aos meus olhos, não que isso seja importante pra ninguém.

P.s.²: Eu comentei tudo isso com o Edson, e ele me convenceu que não valia a pena escrever mais um comentário no vídeo para falar sobre isso, porque eu poderia atrair muitos defensores do autor, o que era sem sentido, nesse caso. Então decidi fazer essa publicação, ao invés disso, e fico grata por isso. Me fez desenvolver melhor meu pensamento, escrever sobre, com certa calma de não ofender ninguém, ou atrair ódio para mim, o autor ou o dono do canal, o que não é minha intenção de forma alguma. E me fez cumprir uma promessa que tinha feito. A de escrever mais publicações com a temática do vale.

Adendo: retirei o texto do ar por querer reconsiderar o que pensei e escrevi ainda sem ler o livro ou assistir a obra homônima. Pois bem, li o livro, e ainda tenho as mesmas considerações. Por isso restabelecendo o texto aqui.