terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O ser humano em suspensão

Partindo do princípio de que não há verdade absoluta sob esse céu, eu estou aqui pra partilhar minhas recentes descobertas na área de autoconhecimento, e no entendimento do nosso papel no mundo, ou seja, do que é afinal ser humano. Digo de antemão que é só um arranhãozinho na superfície de algo muito profundo, e que ainda que eu vivesse mil anos estudando incessantemente, mesmo assim, não arriscaria dizer que finalmente conheço tudo a respeito desse assunto, ou mesmo que o que descobri é a verdade.

Até bem pouco tempo, como devem saber os que não estão me lendo pela primeira vez, ou os que me conhecem, eu me mantinha isolada do mundo, numa posição confortável de evitar até mesmo as redes sociais. Não me arrependo desse hiato de presença virtual, pois esse tempo longe das mídias sociais foi bastante importante para uma melhor perspectiva a respeito do que a internet, e os meios pelos quais interagimos dentro dela, significam. Me sentir uma outsider (alguém de fora) nessa conjuntura, me ajuda, por vezes, a ter uma visão mais prática e realista dessas ferramentas. Menos glamourosa ou demonizada.

Agora, já há um tempo usando, confesso que até abusando de tempos em tempos, desses meios de interação, até devido a resistência de me comunicar com as pessoas no mundo real. Noto nos outros o que pensava era farto em mim, e que era um defeito meu, o que me fazia completamente infeliz e sem esperança de um futuro mais otimista no horizonte. Boa parte de nós (ao menos na minha constatação, que pode estar enviesada, pode ser contaminada pelas bolhas sociais e/ou pela necessidade de me ver nos outros) sente um vazio. Muitos não sabemos o que realmente queremos na vida, e da vida. Quase todo mundo fantasia com fugas para uma existência completamente diferente da sua. Uma escapatória aos doces vícios aos quais nos habituamos, e que parece, não nos deixarão mais em paz. Estaríamos doentes como indivíduos ou como seres sociais?

Nos ocupamos admirando (podemos ler também: invejando) recortes de vidas, que estão perfeitamente emoldurados para nosso entretenimento, com intuitos muitas vezes escusos. Amamos ou odiamos pessoas baseados no que essas pessoas deixam que vejamos delas. Por isso tanta decepção, e pior, tanta amenização de questões problemáticas, dependendo de se quem está no holofote é uma celebridade ou algum fulano da vida. Nos preocupamos em estar sempre certos sobre questões atuais, e defendemos nossos pontos com unhas e dentes em detrimento de qualquer respeito ao direito do próximo de discordar da gente. E fazemos questão de não ouví-lo, gritando cada vez mais alto, e mostrando nossa 'superior capacidade de raciocínio lógico e retórica'. Assim, afastando qualquer possibilidade de entender o ponto do outro, e de conseguir ser ouvido. Já que o maior ponto de conflito têm sido a política (partidária ou não), falo para aqueles que não sabem ou esqueceram: política não consiste em vencer e impor sua vontade ao outro, e sim negociar e chegar a um meio-termo, comprometendo o desejo dos dois (ou mais) lados envolvidos nessa negociação. Compromisso, nesse caso, significa que todas as partes envolvidas sairão sem estar completamente satisfeitos, mas ninguém deixará de ser ouvido e atendido em algo do qual não abre mão. Então, o que você não abre mão? E o quanto isso é importante pra você a ponto de te afastar de alguém querido? Se sua resposta for movida por paixão, ou ódio, há de ter cuidado para não estar escolhendo lado errado, e ainda mais desagradável, as batalhas erradas.

Toda essa ocupação mental nos deixa exaustos. Por milhares de anos, os humanos viveram uma vida muito pacata. Mesmo as pessoas mais influentes e famosas, não conheciam mais de algumas dezenas de pessoas em sua existência. Não tinham tantos eventos acontecendo na sua vida, e no mundo (do qual tinham conhecimento) ao seu redor. Se ocupavam em cuidar, além de si, das pessoas que amavam, e do lugar onde viviam. Eu tenho trinta e um anos, e parte da minha vida foi assim. Mas a internet ampliou nossos horizontes, expandiu nossas possibilidades, de uma forma sem precedentes, e em questão de poucos anos. E isso é especialmente verdade num país como o Brasil, que o acesso a internet e aparelhos como smartphones, se tornou algo comum e mais facilitado recentemente. Nada disso é necessariamente ruim, dependendo do que fazemos com isso, e de como nos colocamos perante a esse infinito de informações e cenários possíveis de interação. Mas, toda mudança muito drástica do modo de viver, individual ou coletivo, como nesse caso, sem que tenhamos sido preparados para isso, pode ser muito danoso. As regras, costumes e etiquetas desse novo universo ainda estão sendo criadas, testadas, quebradas, e em tempo real. Algo inerente à sua própria natureza, camaleônica e subversiva. Aos poucos nos damos conta de que o mundo virtual é uma extensão desse, e não está à parte dele, portanto deve obedecer às mesmas regras éticas. Mas é esse viver tão acelerado, onde temos que estar prontos para emitir opinião instantânea, ou à ação imediata, sem parar pra investigar, meditar, digerir... Isso faz com que tenhamos a impressão que não temos tempo para nada. Quando perdemos tanto tempo com questões banais e desnecessárias, nos impedindo de olhar pra dentro, e de perceber o impacto que nossas vidas geram em outras vidas. Como nosso modo de viver determina o presente e futuro das pessoas que amamos e afeta o lugar em que vivemos.

A boa notícia, é que nós podemos ter um bom convívio com as pessoas, inclusive por meio da internet, e de forma utilitária, não vazia. Ao mesmo tempo que não precisamos nos orientar pela bússola do próximo. Ou seja, não precisamos ser tão rico, tão bonito, tão viajado, tão feliz, quanto o outro, nosso modelo, nos parece. Não há perfeição! E você não deveria estar lendo essa afirmação aqui para entender isso, é senso comum. Então por que continuar infeliz procurando por isso?
Busque o que é especial pra você, o que dá sentido a sua existência. Mas que nunca seja para agradar a terceiros. Que seja para que você sinta orgulho de si, mesmo que ninguém, além de você, saiba o que é, e conheça suas realizações. Essa motivação é a real! Sem barganhar por atenção. Sem se medir pela régua de outras pessoas, pois cada um tem a sua.

Por fim, maus hábitos são extremamente difíceis de serem combatidos, eu sei. Luto todos os dias contra os meus, perdendo miseravelmente quase sem notar. Por isso, penso que a estratégia mais válida, é introduzir bons hábitos, talvez até opostos aos seus maus hábitos, em sua rotina. Algo que acrescente à sua vida, ou de seus entes queridos, da sua comunidade. Se doe um pouco ou defenda algo em que acredita. Mas de forma a inspirar amor e esperança, nunca ódio e medo. Se para defender algo você precisa gerar ódio ou medo nas pessoas, ou a causa não é justa, ou você está fazendo do jeito errado.

*Esse texto será dividido em duas partes. Aqui apresento como que uma lista de sintomas num esboço rápido do que estamos vivenciando, além de formas de conviver com esses sintomas. E no próximo, pretendo investigar como chegamos a esse ponto, e o que podemos fazer para reverter esse quadro, e uma olhadinha na minha experiência e planos para melhorar.