quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Direito universal de ser criança

Eu cresci nos anos 90s. De vivência, eu não sei o que foi a Ditadura, não conheço grandes guerras, ou fome e desespero. A educação era prioritária em casa, não sofri pressão pra trabalhar cedo. Minha mãe e vó se dedicaram bastante pra que eu e meus irmãos pudéssemos crescer sem que sofrêssemos como elas sofreram. Nós vivíamos num dos piores bairros da cidade, que é pequena. Morte por arma de fogo era comum enquanto eu crescia alí. Geralmente resultado de briga de bar. E, nesse bairro, bar é o que não faltava. Tinha também uma escola, onde estudei até a terceira série, e uma igrejinha católica onde passei muito tempo dessa infância. Quando era bem novinha, eu achava que o mundo era meu bairro. Não era um mundo bonito, mas eu era criança, não entendia ou me preocupava com nada. Meus melhores momentos foram as atividades com as filhas de minha vizinha, que adotei como madrinha. Passava mais tempo na casa de minha madrinha, que em casa mesmo. Elas me ensinaram a ler e escrever. Com elas eu não precisava apanhar pra aprender (minha mãe perdia a paciência comigo). As minhas melhores lembranças existem, porque elas estavam ao meu lado. Eu fui recolher madeira pra fazer fogueira de São João, na já desativada Fazenda Grande, fui "pescar camarão" em riacho, provavelmente nessa mesma fazenda, uma desculpa pra andar no mato, cair na água e sair com meus vizinhos. Colhi pepino, coentro, maxixe... no sitiozinho de meia* onde minha madrinha plantava. Lavei batata em cocho feito de pneus grandes (de trator, talvez!), varei madrugada vendo os caldeirões gigantes de amendoim sendo cozidos no terreiro de casa. Comi muita salada de tomate, muito maduro pra venda, com bastante sal e vinagre (delícia!). Joguei dominó, e toda brincadeira que aprendi quando criança com as filhas de minha madrinha. Nossas casas, tão próximas que dava pra falar e ser ouvido na outra, nos fizeram como irmãos. Eu amava a casa deles. Tinha reservatório de água (pra mim, era como uma piscina), tinha fogão à lenha, muitos quartos, e minha madrinha fazendo mágica, transformando tecido em roupa na máquina de costurar. Meu sonho era morar naquela casa, com eles. Mas no fundo, era como se morássemos todos juntos já. Um dia minha madrinha foi embora do bairro, na época eu não conseguia entender o porquê, até hoje não sei bem o motivo. Eu odiava a nova vizinha. Pra mim, ela era o motivo da mudança. Eu queria ter tido mais tempo ao lado dessa família, mais tempo juntinha com a minha. À minha vó, minha mãe e a minha madrinha e seus filhos, eu devo minha infância, e parte do que sou hoje. Eu tenho ótimas memórias desse tempo, e quase não consigo lembrar de alguma sem vocês!

*propriedade arrendada, onde o dono da propriedade a cede para uso mediante pagamento pré-definido ou participação nos lucros.

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